sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Desconfio que escrevi um poema

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
 
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
 
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
 
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

 (Desconfio que escrevi um poema)




Carlos Drummond de Andrade

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEUS LHE PAGUE!!!

Vi(r)ver

A poesia retorna, Ela nunca se vai, Nossa alma que se esvai A vida escorre pelos dedos Enquanto te/me perco. Viver cansa Te ver dói D...